28 de abr. de 2009

' Vaidade.

Sonho que sou a poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...


Florbela Espanca
(o poema que eu queria que tivesse sido escrito por mim, por dizer exactamente aquilo que sinto).

22 de abr. de 2009

' As Palavras que te envio são interditas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.



Eugénio de Andrade

18 de abr. de 2009

' Autopsicografia.

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
que se chama o coração.


Fernando Pessoa

16 de abr. de 2009

' Tabacaria.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

8 de abr. de 2009

' Certain Thins are just Lost Forever.

(Estrofe 1)
I once wanted to meet
The man that would sweep me off my feet
Living in a great lovely home
With and endless garden full of roses
Under my dress.

('Bridge' 1)
But that was just a way to begin a story
That would never end
All I would actually do was
Keep running away from every little thing
I most wanted!

(Refrão 1)
He's gone somewhere, far away...
Certain things are just
Lost forever!
And didn't he just turn around
Neither did he
Dry my tears...


(Estrofe 2)
I once wanted the sunset
Never to end
But world is way to large
To wait for me to find myself
And in the middle of
Dusty streets... tired faces... dirty mirrors...
I would only keep findind
Someone else.

('Bridge' 2)
And that was just a way to begin
A story that would never end
All I would actually do was
Keep running away from every little thing
I most desired!

(Refrão 2)
He's gone somewhere, far away..
Certain things are just
Lost forever!
And didn't he just turn around
Neither did he
Come and dry my tears...

('Clímax')
Is anyone listening to my prayers?
Anyone out there?
Sometimes things aren't the same anymore
I know, sometimes
Voice keeps in a quite quite silence
Screams don't even seem to fill empty space...

(repetir Refrão Dois, 2 vezes, e Fim).

04-03-2009

Agora deu-me pra inventar letras de músicas... a melodia, o ritmo e a cadência da música estão na minha cabeça e eu passo a vida a cantá-la, mas só tive um ano ou 2 de formação musical e isso não foi suficiente, não sei escrever música... pra dar uma ajudinha.. os versos que começam com letra maiúscula é o início de uma nova 'frase' (se é que dá para entender)... e há dois refrões, duas estrofes e duas 'pontes' (aquela parte que faz a ligação entre a estrofe e o refrão) diferentes porque, lá está, o ritmo a que são ditas as frases muda e há algumas palavras novas que são introduzidas.. e o 'clímax' é aquela parte da música em que se grita, não sei o termo técnico...). Enjoy It @

4 de abr. de 2009

'

Desta vez, permiti-me a mim mesma apaixonar-me.
Não aguentava mais viver sem paixão,
Sem o desejo, sem a necessidade urgente
De fazer algo com verdadeiro fervor. De esperar alguém
Com verdadeira ansiedade. Tinha chegado ao meu limite.

Fui invadida pelo desejo mais verdadeiro e profundo -
- o desejo no seu estado mais puro -
- o desejo de estar perto de alguém.

Os encontros realmente importantes
Acontecem quando morremos e renascemos emocionalmente.
São planeados pelas almas muito antes
Dos olhos se cruzarem,
Das mãos se entrelaçarem,
Dos corpos se tocarem.
E eu estava realmente pronta.

Primeiro, dei-lhe um presente - algo realmente meu.
Algo que me pertencia realmente.
Um sinal de entrega e de respeito.
Uma parte de mim: do mau passado, do meu presente, do meu futuro.

Finalmente, os nossos corpos aprenderam a falar a linguagem da alma:
E apesar de não nos termos despido nem sequer tocado,
Nós fizemos amor.

CS, 22-03-09

(inspirado em: 'Eleven Minutes', Paulo Coelho)

2 de abr. de 2009

' Não tive tempo.

Não tive tempo, meu amor, não tive tempo!
Para deixar de ter pressa que passasse o tempo;
Para deixar que viesse o tempo de ter tempo,
De esperar e desesperar para ter tempo,
Para viver o momento
Para chorar por dentro,
Não tive tempo, meu amor, não tive tempo...

Não tive tempo, meu amor, não tive tempo!
De reparar que as palavras vieram e foram
Que morreram e renasceram;
Para deixar que fossem apenas gotas de água por cima de mar,
Ar e vento
E pétalas por cima de rosas,
Não tive tempo, meu amor, não tive tempo...

Não tive tempo, meu amor, não tive tempo
Para pensar bem e saber que tive todo o tempo
Do mundo.
Que deixei cair uma lágrima cá fora quando milhares já tinham caído
Lá dentro.
Que tive medo de ser feliz, e fugi, e fugi, e corri até não poder mais.
Que fugi até sentir dor, até sentir paz. Até sentir que o merecia.
Que fugi do tempo que tinha para ter tempo.
E não tive tempo sequer de ser livre na minha entrega.

Mas hoje tenho tempo. Tenho tempo,
De sobra até.
Tenho tempo para te esperar. Tempo para te abraçar,
Para me despir, para te sentir, para inexistir
Existindo.
Hoje tenho tempo e hoje sou amor. Hoje sou liberdade,
Sou toda a cor que destoa do azul do mar,
Tudo o que é diferente mas vai dar ao mesmo.
Sou todo o tempo, todo o tempo.
Sou a luz, sou a sombra, sou a santa e sou a pecadora.
Hoje sou música, hoje sou uma canção.


Danças comigo?

CS, 02-04-2009