28 de mai. de 2009

' Ondas

Já não tolero o tolerável nem suporto o suportável,vou fechar-me no casulo do que queria que tudo fosse mas que não é, do que queria que estivesse definido mas não está, no que queria que fosse um pouco menos forte, um pouco menos traição, um pouco mais verdadeiro, um pouco mais compreensível. Já não percebo o perceptível nem oiço o audível, não sinto o sensível porque talvez seja demasiado sensível pra mim. Não admito, não quero admitir, não quero saber, não o quero viver. Falsas manobras eh o que em tudo consiste,esse tudo que nos gabamos que temos ou que queremos ter e procuramos. Falsas palavras é o que enche o vazio este espaço enormemente pequeno, e as pessoas, essas oh, mudam e voam com o tempo. É uma constante vadiagem,um andar não se sabe onde,uma bagagem esquecida ou infelizmente trazida. São palavras que fingem ser sentidas,um coração que finge chorar quando já tudo é gelo, quando tudo há muito esfriou. Ondas ondas, vêem, vão, arrebatam, molham, enchem, esvaziam, destroem, limpam. Ondas, são ondas, são elas. E nós somos duas meras gotas desse oceano que nenhuma Onda jamais irá juntar.

CS (escrita por associação livre há alguns anos).

24 de mai. de 2009

' Um perfeito Sorriso guardado pra Mim

Por mais que eu quisesse fazer
Uma linda canção
Um perfeito poema,
Sei que apenas me reduziria
A uma frase feita com pedaços de ti.

Que vou guardar
Nesse bau onde nada me foge
Onde escondo esse caminho
Onde existe um paraíso
E um perfeito sorriso
Guardado eternamente pra mim.

Por mais que estivesse destinada a ser
Uma personagem fugidia
O teu porto seguro
Sei que vives numa alquimia
Sei que menosprezas o futuro.

Mas nesta dança das palavras
Nada te restaria
Tudo te prenderia
A este lugar em mim.


Por isso é que eu choro

Até não haver mais lágrimas para chorar

Por isso é que eu grito
Até não haver mais voz para gritar
(Num grito que quer permanecer silencioso)

Por isso é que eu te amo
Até não haver mais forças para te amar.

CS

18 de mai. de 2009

' Como Tu.

Como tu
Eu nasci,
Como tu, como tu.
Errei, aprendi, cresci,
Como tu, como tu,
Como tu.
Ri e chorei,
Amei e odiei,
Criei, e fui,
Como tu.
Como tu, sou,
Não O nem A,
Mas Um e Uma.
Mais Um, mais Uma.
Como tu.
Um dia, como tu,
Vou morrer.
E ninguém sentirá a falta
Do ser que foi mas quis ser
Sem ter conseguido
Nem nunca provavelmente
Vir a ser
Ser.
Ninguém sentirá a falta,
Porque alguém é ninguém.
Alguém é mais Um,
Mais Uma.
Como tu. Ninguém.

CS, 01-02-2008

8 de mai. de 2009

' Poema.

O eco do fundo dos teus olhos
Refunde-me para as sombras do jardim
Que é o teu corpo.

E absorta fujo, escondo-me,
Porque te tenho, porque me tens,
Porque sou eternamente tua.

Mas algures no meio do fulgor
Do teu abraço
Surge um navio prestes a naufragar.
No jardim do teu corpo,
Navega em mar verde,
O navio prestes a naufragar.

Algures no meio de todo este fogo
Que arde num delírio delirante
Surge a minha âncora,
De ferro forte, feio, esquecido
De onde encontra meu porto seguro.

Oh, se o abandono soubesse
Onde encontrar essa estrada
Que me leva...

Se essa voz soubesse
Onde cantar minha tristeza...

Então saberia onde se encontra o princípio do fim
Encontra-se em ti e em mim,
E no barco que te naufraga,
Nas sombras que nos refundem,
No vento frio que se faz sentir
Nesse teu jardim, ao fim da tarde,
Na poeira de um entardecer já antigo...

Sim, o eco do fundo dos teus olhos
Refunde-me para as sombras do jardim
Que é o teu corpo.
E, sós, amamo-nos, como se jamais
Amanhã houvesse.

CS, 08-09-08

4 de mai. de 2009

' Cansaço.

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...


Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)