28 de jul. de 2009

' Uma Janela Aberta - Ondas (prosa poética III)

Já não tolero o tolerável nem suporto o suportável,vou fechar-me no casulo do que queria que tudo fosse mas que não é, do que queria que estivesse definido mas não está, no que queria que fosse um pouco menos forte, um pouco menos traição, um pouco mais verdadeiro, um pouco mais compreensível. Já não percebo o perceptível nem oiço o audível, não sinto o sensível porque talvez seja demasiado sensível pra mim. Não o admito, não quero admitir. Não quero saber, não o quero viver. Falsas manobras é o que em tudo consiste, esse tudo que nos gabamos que temos ou que queremos ter e procuramos. Falsas palavras é o que enche o vazio este espaço enormemente pequeno, e as pessoas, essas oh, mudam e voam com o tempo. É uma constante vadiagem, um andar não se sabe onde, uma bagagem esquecida ou infelizmente trazida. São palavras que fingem ser sentidas, um coração que finge chorar quando já tudo é gelo, quando tudo há muito esfriou. Ondas ondas, veem, vão, arrebatam, molham, enchem, esvaziam, destroem, limpam. Ondas, são ondas, são elas. E nós somos duas meras gotas desse oceano que nenhuma Onda jamais irá juntar.

CS

24 de jul. de 2009

' Uma Janela Aberta - E Foi (prosa poética II)

Foram tantas as noites que nos amámos, que nadámos um no outro. Que no dia seguinte acordavamos ofuscados pela luz leve e límpida que nos despertava da escuridão da ilusão em que vivíamos: e afinal não eramos já nada um ao outro. Caminhavamos em direcções tão diferentes que nos encontrámos fugaz e inevitavelmente. Foram tantos os segundos, os minutos, os instantes, momentos que partilhamos, que já nada tinhamos em comum nem a partilhar. Foi tanto o amor, o ódio,a paixão,o desejo... que já nada tínhamos a amar nem odiar nem desejar juntos. Fomos o refúgio tão seguro de todos os nossos receios que nos tornámos no medo um do outro. Fomos tão amigos que nos tornámos inimigos. Fomos tão fiéis e tão leais. E no fim fomos tão cobardes. Quanto mais nos tínhamos menos pertenciamos um ao outro, e já nada de nós fazia parte, e tudo de nós fugia.

E foi tudo tão intenso, e foi tudo tão tudo, tão tão, que no fim apenas sobraram esses pedaços perdidos no tempo e espalhados na intensidade do nada que no fim nos rodeava. No fundo não passamos de meros pedaços de desejo que a paixão jamais irá juntar.

CS

22 de jul. de 2009

' Uma Janela Aberta - Pegadas na Areia (prosa poética I)

Que Restou?

... e assim um ponto nos separa. Um ponto em frente ao horizonte onde em tempos nos encontrámos, nesta encruzilhada louca da vida, neste jogo sem regras, apenas as que nos impõem. E então fomos contra essas mesmas regras e então fomos aquilo a que têm a mania de chamar ‘felizes’. Por instantes encontrámos aquilo que tão incessantemente procuram, a chamada e tão aclamada ‘Felicidade’, que de ser tão esperada cansou-se e foi ao encontro deles, mas eles não deram por nada. E então começou, e então acabou. Mas então recomeçou e voltou a acabar. Porque então éramos crianças e não tínhamos medo de arriscar, de mergulhar – porque, então? Ainda não teríamos sofrido aquelas mazelas, ainda não teríamos o que temer. Porque então não deixámos que o Horizonte fosse o nosso limite, fomos até ele e mais além. E percorremos os horizontes de todos os Mundos, o que existe e os q dizem existir. E ainda aqueles que não existem. E então, que restou?

Meras pegadas na areia.

Mas então o Horizonte continuou lá... apenas deixaste que ele se tornasse no nosso limite.

Então aquele mar mansamente bravo continuou a beijar a areia, sem cessar, e essa, também ela, continuou a receber os beijos do mar. Esses sim, serão dois eternos amantes. Aquele fim de tarde parou no tempo.

E então?...

CS

18 de jul. de 2009

' Uma Janela Aberta - Vida III.

A flor que cresce
O sol que rejuvenesce
(todas as manhãs, sem se cansar)

A tua alma que esmorece
(sim, a tua)
E o mar que beija a luz da lua,
(Todas as noites, sem se cansar)

Antes que a vida cesse
E ceda a essa escuridão que escorre
Beija-me, todas as tardes, numa esquina perdida
(sem te cansar)
Beija-me, beija-me, esse beijo que morre,
Beija-me, antes que chege a morte da vida.

CS

14 de jul. de 2009

' Uma Janela Aberta - Tu.

Tu, que estás aí, que não existes.
Eu, que não sou nada e não creio existir.
Serei eternamente aquela que escreverá em segredo
Filosofias nunca antes escritas
Ou escritas tão silenciosamente quanto as minhas
E pensadas por mil almas que
Pensam saber a imensidade da razão de ser dos seres, e do ser
Se é que razão e seres coexistem de facto.
Aparte de tudo o que me preenche este vazio
Eu não sou mais que o vazio que preenche o tudo das coisas.
Estou em cada partícula do espaço,
Em cada partícula do ar que respiro,
Em cada verso, em cada pensamento que se dissipa no tempo
Esse
Que o Homem criou na esperança de orientar
Um estado de alma desorientado e inorientável
À deriva num mar sem rumo
Debaixo de uma Lua que queima
E um Sol que ilumina. Ilusões?
Certamente.
Também eu vivo numa.
Nessa que faz vaguear por aí todas essas almas desencontradas
Na esperança de se encontrarem ou serem encontradas!
Na ilusão de Te encontrar a Ti
Tu, que estás aí,
Tu que não existes.
Porque neste próximo instante
Apenas serei Eu.
O Nada que creio existir num tempo errante.

CS